"Eu acredito em minhas possibilidades e potencialidades. Eu faço a minha existência aqui e agora." [Ana Carolina]

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Filme 50/50 e o processo de adoecimento

O filme retrata a história de Adam, um rapaz de 27 anos, simples, simpático, que vive uma vida “certinha”: não fuma, não bebe, não usa drogas. Ele vive sozinho numa casa discreta e trabalha numa estação de rádio junto ao seu amigo, Kyle.
A vida de Adam é subitamente abalada quando, em uma consulta de rotina, no seguimento de uma aparentemente inofensiva dor de costas, um médico lhe informa, sem rodeios, e sem que nada o previsse, que o jovem contraiu uma espécie rara de cancro na medula espinal sob a forma de um tumor nas costas, não tendo outra opção senão aguentar a quimioterapia e esperar pelo melhor, pois a hipótese de sobrevivência é de 50%.

Inicialmente, pensando a partir desta cena sobre a relação médico e paciente, percebemos a vigência do modelo biomédico no processo saúde-doença, isto é, o médico adota uma postura de princípio da doença enquanto unicausal, mecanicista, biologizante e individual, ou seja, mantendo o foco na doença e não no sujeito adoecido, não considerando o contexto sócio-cultural em que o sujeito está inserido e teorizando que as doenças e suas curas sempre acontecem no nível biológico.
 Entretanto, faz-se necessário este estudar a doença sob o ponto de vista de um processo, em que o sujeito seja percebido em seu nível biopsicossocial, pois a postura médica e de qualquer outro profissional de saúde deve considerar os efeitos das mudanças sociais, culturais, econômicas e políticas que enfrentamos; indicando então, a ineficiência e insuficiência do modelo biomédico para as demandas de saúde, visto que a sociedade tem se modificado diante da violência, globalização, mudanças biológicas e culturais etc.
Em contrapartida, faz-se necessário um modelo que integre os sujeitos, sob a perspectiva de seres indivisíveis daquilo que o constituem organicamente, socialmente e psicologicamente. O modelo biopsicossocial parte deste olhar integral sobre os sujeitos, compreendendo o processo saúde-doença como um complexo intercâmbio de fatores biológicos, sociais e psicológicos; incluindo o indivíduo e a influência que o mesmo tem sobre a sua própria vida, além de outros fatores importantes que o constitui. Aqui, diferentemente do modelo biomédico, em que a saúde é vista dentro dos parâmetros de normalidade, a doença é uma experiência que pode ser positivada ou negativada, é uma possibilidade de ser e existir, no sentido de um processo intrínseco ao ser humano e não como um mal a ser extirpado.
Diante de um modelo de integração do processo saúde-doença, busca-se a transformação social com o empoderamento de Políticas Públicas e não a legitimização do sujeito enquanto vulnerável e impossibilitado de busca por melhorias, isto é, instrumentalizando-o e possibilitando que faça uso dos seus saberes sociais ao atuar no próprio processo saúde- doença, humanizando os seres humanos.
Assim, podemos pensar no modelo biopsicossocial como visão de uma Clínica Ampliada a partir dos aspectos biopsicossociais, onde os sujeitos são atendidos em sua totalidade e de maneira participativa, diferentemente da clínica retratada no filme.
Após receber de maneira fria, a notícia sobre o câncer, Adam não consegue compreender o motivo de o câncer ter desenvolvido nele, já que sempre se considerou um cara “ecologicamente correto”; iniciando então, o que chamamos de Fase de negação, quando confrontado com a notícia de que tem uma doença potencialmente mortal, ou seja, Adam e em seguida, seus familiares e seu amigo, recusam-se a aceitar a totalidade ou grande parte do que lhe é comunicado. É como se entrasse em um estado de choque inicial e verbalizasse não acreditar no que lhe é informado. Na maioria dos casos, esta é uma fase transitória que tem como função permitir uma progressiva aceitação da realidade.
Em seguida, acompanhamos a Fase de raiva de Adam, em que o personagem começa a reconhecer a existência de uma doença grave e mortal, mas não a aceita, reagindo de forma típica com raiva e exprimindo revolta perante a sua má sorte. Esta fase é bastante difícil, tanto para a família como para os profissionais de saúde, como por exemplo, quando Adam reage agressivamente aos cuidados de sua mãe, bem como, às conversas com a terapeuta Katherine. O exemplo de uma fala importante e que demonstra revolta com sua atual situação é: Tá vendo? Isso é besteira. Todo mundo fica me dizendo desde o início: "você vai ficar bem" ou "tudo vai ficar bem". Isso só piora tudo. Só piora que ninguém vire pra mim e diga: "Sinto muito, mas você vai morrer".
Em contrapartida, Adam sofre com os efeitos da quimioterapia e passa por todas as fases psicológicas da doença, acompanhado inicialmente por seu amigo Kyle, na fase psicológica que conhecemos como Fase de barganha, isto é, o momento em que Adam é instigado por seu amigo a viver plenamente sua vida, aproveitando o lado bom dos 50%. Então, os jovens saem para curtirem baladas, conhecem novas garotas a fim de uma transa casual, aproveitando louca e intensamente a vida. Adam também inicia o uso de maconha, apontando que a erva tem uso medicinal.
Após tentativas fracassadas de esquecer os “50% de chance de morte”, Adam inicia a Fase de depressão, acompanhado sempre pela terapeuta Katherine, em que desabafa sobre o arrependimento de sua vida pouco vivida, até o fato de não ter tirado carteira de habilitação devido ao alto índice de acidentes. Além disso, a situação com sua ex-namorada acaba por deixar Adam ainda pior, psíquica e sentimentalmente, a ponto de terminarem o relacionamento, deixando-o mais abalado diante da situação. Adam apresentou depressão devido aos sentimentos de impotência, muitas vezes relacionados com seus problemas e necessidades, que precisavam ser equacionados e resolvidos, visto que seu estado de saúde se deteriorava. Ele se preparava para a morte e para a separação daqueles e daquilo a que está mais ligado na vida.
E, por fim, identificamos que Adam encontrou a Fase de aceitação, passando a compreender que a doença e sua evolução são inevitáveis, e que apesar de manter-se fechado pra a vida, também pode mudar sua postura diante do que está por vir, planejando viver intensamente bem e corresponder as suas expectativas sobre o que é viver. O nível de adaptação à doença no momento da morte é específico a cada um: alguns continuam a negar a evidência, outros se afundam na depressão e só alguns atingem a fase de aceitação. Estes últimos são considerados como os que podem manter conversas profundas, que conseguem aceitar os aspectos positivos e negativos da vida, demonstrando maior maturidade e uma vida interior e interpessoal mais fecunda.

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