"Eu acredito em minhas possibilidades e potencialidades. Eu faço a minha existência aqui e agora." [Ana Carolina]

domingo, 26 de maio de 2013

Os desafios da atuação do psicólogo no Sistema Prisional


Não serei o poeta de um mundo caduco,
também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros,
estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Mãos Dadas, Carlos Drummond de Andrade.


          Sabemos que o Sistema Prisional é um contexto de atuação complexo e possuidor de paradigmas, significações, crenças e ideologias. Ou seja, ao discutir sobre o cenário que nos cerca, talvez pudéssemos destacar por um lado, as atuais estratégias de criminalização da pobreza; a declaração de guerra às drogas; a utilização massiva do recurso do encarceramento como modo de contenção e de neutralização dos “indesejáveis” e “perigosos” com o endurecimento das penas e o abandono do discurso ressocializador; as tentativas de reduzir a idade passível de responsabilização penal; o aumento sem precedentes da utilização do dispositivo da prisão preventiva. Por outro lado, destacamos o recurso a uma política de segurança baseada no confronto e no extermínio de setores da sociedade vistos como perigosos, atingindo especialmente os sujeitos em situação de vulnerabilidade social, tornando-os excluídos da sociedade; ligando-se a uma despreocupação em ocultar e disfarçar estes fatos, contando com toda a cobertura midiática, empenhada em garantir a reprodução da naturalização do genocídio dos “criminosos” apresentando-os não mais como um suposto crime à humanidade, mas, como uma medida em defesa da sociedade. 
        E claro, mencionamos o movimento de legitimação da tortura que temos assistido nas sociedades contemporâneas e o apoio social que existe atualmente a esta prática, quando identificados como suspeitos e perigosos à sociedade, suscitando concepções biologicistas da loucura e da violência, do discurso da criminalização da loucura e da patologização da conduta criminosa, pois a “rede carcerária acopla, segundo múltiplas relações, as duas séries, longas e múltiplas, do punitivo e do anormal.” (Foucault, 1975/2004, p. 247)
        Assim, no cenário constituído atualmente, percebemos o ressurgimento de um direito penal do inimigo, isto é, que volta a se nutrir de concepções típicas de uma criminologia positivista ou pelo menos a demandar o apoio de certo tipo de saber médico-psicológico e que implica no desdobramento do poder punitivo em dois tipos de tratamento: um para os cidadãos e outro para os inimigos, de acordo com a lógica da periculosidade. Ou seja, apesar do discurso estar voltado para a humanização de todos os sujeitos, percebemos que na prática nem todos os sujeitos são “humanos” e por isso, não merecem tratamentos humanizados.
         Foucault (1975/2004) aponta que a formação do sistema carcerário teve início em 22 de Janeiro de 1840 com a abertura oficial de Mettray, um lugar de forma disciplinar intensa e onde havia concentração das medidas punitivas do comportamento. Até então, o processo punitivo estava ligado ao castigo, porém com a abertura de Mettray, este processo passara a ideia de adestramento, pois qualquer desobediência era castigada, uma vez que a melhor maneira de evitar graves delitos seria punir os leves e pequenos cometidos pelos cidadãos. 
       Assim, para Foucault, o nascimento do Sistema Prisional não se deu com o Código Penal em 1810 e nem com a lei que estabelecia o princípio do internamento celular em 1824, mas com a inauguração de uma instituição estritamente punitiva em 1840. Desse modo, a punição foi se tornando frequente e velada no processo penal. O autor aponta que a prisão é um quartel, uma escola sem indulgência e sombria e possui, por um lado, duplo fundamento jurídico-econômico e por outro, um fundamento técnico-disciplinar que a torna uma forma mais imediata e civilizada de todas as penas. (idem) 
      O Sistema Prisional Brasileiro tem causado grande preocupação devido a crescente ocorrência de criminalidade e em partes é justificável. Porém, não podemos acreditar haverá mudanças com a modificação de leis, acréscimo de penas e construção de penitenciárias. Trata-se de um problema de Saúde Pública e deve desmistificar a ideia de que a segurança é garantida com o aumento de prisões, pois se deve buscar alcançar o objetivo maior de ressocialização, na busca de soluções que não visem explicações de causa e efeito, mas que considerem as relações sociais como importantes percussoras da violência e criminalidade.
    Desse modo, percebemos que o sistema é falho, principalmente por assujeitar, estigmatizar e desconsiderar os fatores sociais e subjetivos dos presos. A lei visa reparar, readaptar, reinserir e corrigir os sujeitos a qualquer preço e, por isso, a justiça torna-se fracassada e a criminalidade se torna frequente diariamente. Faz-se necessário uma reflexão e mudança nas ações, visando a humanização destes sujeitos, que antes de tudo, também são humanos e convivem em uma sociedade com realidades particulares.
       Buscamos suscitar reflexões acerca da possibilidade de construção de uma realidade de práticas humanizadas e de liberdade dentro do contexto de atuação do psicólogo no âmbito prisional, buscando a desmistificação de construtos que propõem o lugar de “assujeitamento”, isto é, um sujeito patológico, imaturo, desprovido de sentimentos, frio, calculista, dentre outros. Propomos assim, novas formas de exercer efetivamente o papel social, visando exercitar diariamente a neutralidade e imparcialidade que o psicólogo deve ter ao desempenhar sua função, bem como as possibilidades e os limites que o profissional lida diariamente ao atuar neste contexto. "Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas."


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões (1975). 8ª ed. Petrópolis: Vozes, 2004.
KOLKER, T. A Atuação dos Psicólogos no Sistema Penal. In.: GONÇALVES, H. S. & BRANDÃO, E. P. (orgs.). Psicologia Jurídica no Brasil. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2011. Cap. 6, pp. 199-249.
CIARALLO C. R. C. A. (orgs.) Atuação do psicólogo no sistema prisional / Conselho Federal de Psicologia. - Brasília: CFP, 2010.


  

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