Melanie
Klein (1932/1997) percebeu que o brincar infantil pode representar
simbolicamente as ansiedades e fantasias da criança. Sendo assim, Klein vê o
brincar como expressão simbólica de seus conflitos inconscientes, pois apesar
da criança não realizar associações livres, o brincar é tão importante quanto
as associações que o adulto realiza; uma vez que o brincar infantil é uma forma
de comunicação, em que as crianças criam um complexo mundo interno e elaboram
os impactos exercidos pelo externo. Assim, o jogo não deve ser visto como uma
simples brincadeira, mas como uma maneira de representar o que se encontra
registrado no inconsciente.
Na
análise de crianças, somos capazes de voltar a experiências e fixações que na
análise de adultos frequentemente só podem ser reconstruídas, ao passo que a
criança as mostra para nós como representações imediatas. (p. 29)
De
acordo com Klein, o brincar é uma linguagem primitiva que está ligada à
linguagem onírica, na qual estão presentes os mesmos mecanismos e métodos da
representação dos sonhos, especialmente o simbolismo. E, portanto, a
interpretação do brincar infantil deve se aproximar da interpretação dos
sonhos, isto é, cada brincar é subjetivo e remete a diferentes interpretações,
a depender das relações objetais estabelecidas pelo sujeito. (idem)
O
simbolismo é apenas uma parte dela. Se desejarmos compreender o brincar da
criança corretamente em relação ao seu comportamento como um todo durante a
sessão analítica, não devemos nos contentar em pinçar o significado dos
símbolos isoladamente na brincadeira, por impressionantes que sejam tão
frequentemente, mas devemos considerar todos os mecanismos e métodos de
representação empregados pelo trabalho do sonho, sem nunca perder de vista a
relação de cada fator com a situação como um todo. A análise de crianças muito
pequenas tem mostrado repetidamente quantos significados diferentes pode ter um
único brinquedo ou um único segmento de uma brincadeira e que só podemos
inferir e interpretar o seu significado quando consideramos suas conexões mais
amplas e a situação analítica que se inserem. (p. 27-28)
O
brincar é um comportamento característico da infância e pertence a um conjunto
de atividades que compõem a noção do jogo. E, partindo do caráter lúdico
presente na brincadeira, percebe-se a liberdade que essa atividade oferece e,
algumas vezes, o estabelecimento de uma separação entre o brinquedo e o uso que
a criança faz dele.
Para
Melanie Klein (1932/1997), o brincar é uma expressão de fantasias relacionadas
à sexualidade infantil e que apresenta um mecanismo de personificação, ou seja,
as personagens que a criança envolve no jogo podem revelar vários conflitos
psíquicos – id, ego e superego -; como por exemplo, a satisfação das pulsões do
id, a características persecutórias do superego e as defesas do ego que estão
distribuídas aos personagens que compõem o brincar.
Sendo
assim, ao brincar, a criança age bem mais do que fala, e essa ação gera uma
esperada transferência negativa (acting
out) dentro do ambiente terapêutico, pois o agir é tomado por uma
impulsividade que precede o pensar. A impulsividade infantil pode aparecer
concomitantemente ao desenvolvimento mental, pois a análise infantil tende a
ser mais fácil que a análise de adultos, visto que o inconsciente infantil é
protegido por poucos mecanismos de defesa. (idem)
As
formas arcaicas e simbólicas de representação que a criança emprega no seu
brincar estão associadas com outro mecanismo primitivo. Ela [a criança] coloca
atos – que originalmente ocuparam o lugar de pensamentos – no lugar de
palavras: isto significa que “acting out” é para ela da maior importância.
(Klein, 1932/1997, p. 29)
Portanto,
o que move a brincadeira infantil é a descarga de fantasias masturbatórias, que
é geradora de prazer à criança, isto é, expressa desejos e experiências reais
que muitas vezes estão ligados à pulsão de morte. Por exemplo, quando a criança
repete o brincar seguidamente, ela pode estar deslocando para o mundo externo a
sua agressividade e destrutividade em busca de seu sadismo, que tem relação
direta com frustrações do conflito edipiano. (ibidem)
[...]
por trás de cada forma de atividade lúdica encontra-se um processo de descarga
de fantasias masturbatórias, que operam na forma de uma contínua motivação para
o brincar [...] este processo, atuando como uma compulsão à repetição,
constitui um mecanismo fundamental na atividade de brincar das crianças e em
todas as suas sublimações subsequentes [...] as inibições no brincar e no
trabalho têm origem em uma repressão indevidamente forte dessas fantasias, e
com elas de toda a vida imaginativa da criança. Vinculadas a essas fantasias
masturbatórias da criança estão suas experiências sexuais, as quais encontram
também representação e ab-reação nas suas brincadeiras. (ibidem, p. 29)
Klein
afirma que o superego primitivo é mais feroz que o ego ainda não integrado e
extremamente frágil, isto é, o sujeito, quando não saciado e tem suas vontades
frustradas, projeta toda a sua raiva para o externo. Essa frustração ocorre de
uma ansiedade causadora de agressividade no sujeito que a projeta para o
externo e em seguida causa-lhe um sentimento de angústia e culpa, perceptível
na inibição do brincar. Ou seja, o desejo é recalcado e a criança sente-se
culpada por tal fantasia de destruição, pois essa inibição de algumas
atividades, diz de um sentimento de culpa originado a partir daquele desejo
recalcado.
Com
muita frequência as crianças expressam na brincadeira as mesmas coisas que
estiveram há pouco nos contando através de um sonho ou produzem associações a
um sonho na brincadeira que o sucede. Pois o brincar é o meio mais importante
de expressão da criança. Se utilizarmos a técnica do brincar, logo
descobriremos que a criança traz tantas associações aos elementos separados da
sua brincadeira quanto os adultos com os elementos separados de seus sonhos.
Esses elementos separados do brincar são indicações para o observador
experiente; e, enquanto brinca, a criança também conversa e diz toda sorte de
coisas, que tem o valor de genuínas associações. (Klein, 1932/1997, p. 28)
Enfim,
pode-se concluir que o brincar, para Melanie Klein, é a liberdade de expressão
da criança no setting
psicoterapêutico, principalmente. Assim, a psicanálise de crianças difere-se da
psicanálise de adultos, apenas em técnica de análise.
Podemos
ver no curso da análise que a relação da criança com a realidade, de início tão
fraca, vai gradualmente se fortalecendo como resultado do trabalho analítico.
[...] Só depois que resistências muito fortes e obstinadas tiverem sido
superadas é que ele será capaz de ver que seus atos agressivos eram dirigidos
ao objeto no mundo real. Mas, quando vier a compreender isso, por jovem que
seja, terá feito um avanço muito importante em sua adaptação à realidade. (ibidem,
p. 31)
Em contrapartida, Winnicott (1975) aprofunda o
conceito do brincar, partindo do estudo do conceito em si, “suplementar ao conceito da sublimação do instinto.”
(p. 66)
[...] concretizo minha ideia sobre a brincadeira,
reivindicando que o brincar tem um lugar e um tempo. Não é dentro, em
nenhum emprego da palavra (e infelizmente é verdade que a palavra
"dentro" possui muitos e variados usos no estudo psicanalítico).
Tampouco é fora, o que equivale a dizer que não constitui parte do mundo
repudiado, do não-eu, aquilo que o indivíduo decidiu identificar (com dificuldade
e até mesmo sofrimento) como verdadeiramente externo, fora do controle mágico.
Para controlar o que está fora, há que fazer coisas, não simplesmente
pensar ou desejar, e fazer coisas toma tempo. Brincar é fazer. (p. 69)
Diante de tais
formulações, podemos inferir que a relação com o mundo implica em uma
manipulação, em fazer algo. Assim, ao brincar, o sujeito se
implica nesse fazer, imprimindo a sua marca, aquilo que o caracteriza, a sua
subjetividade.
Winnicott (1975) aponta que nos estudos
psicanalíticos, o brincar está inteiramente ligado às atividades masturbatórias
e outras experiências sexuais. Entretanto, para o autor faz-se importante e
necessário o estudo do brincar a partir da observação por parte do analista, da
criança que brinca e não somente com o conteúdo da brincadeira. “É evidente que estou fazendo uma distinção significante
entre o substantivo ‘brincadeira’ e o verbo substantivado ‘brincar’.” (p. 68)
Em outros termos, é a brincadeira que é
universal e que é própria da saúde. O brincar facilita o crescimento e,
portanto, a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode
ser uma forma de comunicação na psicoterapia [...] O natural é o brincar [...].
(Winnicott, 1975, p. 70)
Assim, podemos afirmar que o brincar infantil é uma
repetição que a criança faz de seu mundo externo, de tudo o que lhe acontece
externamente e que é introjetado. Esse mundo introjetado é então, projetado a
partir das brincadeiras e, por isso, o brincar infantil adquire um importante
espaço no setting terapêutico e para
o desenvolvimento potencial e criativo do sujeito, uma vez que é revelado o
contexto e a dinâmica familiar estabelecida em que está inserido.
Freud (1920/2006) aponta que
É
claro que em suas brincadeiras as crianças repetem tudo que lhes causou uma
grande impressão na vida real, e assim procedendo, ab-reagem a intensidade da
impressão, tornando-se, por assim dizer, senhoras da situação. Por outro lado,
porém, é óbvio que todas as suas brincadeiras são influenciadas por um desejo
que as domina o tempo todo: o desejo de crescer e poder fazer o que as pessoas
crescidas fazem. Pode-se também observar que a natureza desagradável de uma
experiência nem sempre a torna inapropriada para a brincadeira. (p. 27)
Freud, em “Além do Princípio de Prazer”, descreve a
observação que fizera sobre a brincadeira infantil em que seu neto,
aparentemente brincava de um jogo criado por si mesmo, no sentido de que, todas
as vezes que sua mãe saía, a criança agia de maneira diferente da esperada,
pois ele não protestava ou chorava. Ao contrário, a criança jogava objetos para
longe e em seguida dizia “o-o-o-ó”.
Quando
a criança passa da passividade da experiência para a atividade do jogo,
transfere a experiência desagradável para um de seus companheiros de
brincadeira e, dessa maneira, vinga-se num substituto. (Freud, op. cit., p. 28)
Logo após, a criança passou a brincar diferente,
utilizando um carretel de madeira amarrado em um cordão, ele o jogava para frente,
dizendo “o-o-ó”, e em seguida o puxava para si dizendo alegremente “da”. Assim,
Freud compreendeu que se tratava de uma brincadeira em que a criança, ao dizer
“o-o-o-ó”, se referia à palavra “fort”, aqui entendida como advérbio “ir
embora”. Em seguida, ao expressar o seu “da”, quando o carretel voltava, a
criança dizia o mesmo que “ali”. “Essa, então, era a brincadeira completa:
desaparecimento e retorno.” (Freud, 1920/2006, p. 26)
Desse modo, a brincadeira representava uma renúncia
instintual, pois a criança não protestava o fato de sua mãe ir embora e assim,
compensava-se repetindo o desaparecimento dos objetos e a volta dos mesmos, à
sua frente. Com a brincadeira, a criança realizou uma aquisição cultural.
“Jogar longe o objeto, de maneira que fosse ‘embora’, poderia satisfazer um
impulso da criança, suprimido na vida real, de vingar-se da mãe por afastar-se
dela.” (Freud, op. cit., p. 27).
“[...]
mesmo sob a dominância do princípio do prazer, há maneiras e meios suficientes
para tornar o que em si mesmo é desagradável num tema a ser rememorado e
elaborado na mente.” (p. 28)
A repetição na brincadeira, que pode carregar uma
busca pelo prazer, pode representar a vivência ou reelaboração de algo
idêntico, isto é, a criança pode projetar na brincadeira, suas experiências e
angústias relacionadas a determinadas situações anteriormente experienciadas.
Entretanto, Freud afirma que a brincadeira de seu neto foi uma renúncia
instintual e, assim, podemos então inferir, que a brincadeira pode seguir um
caminho inverso à pulsão.
Winnicott (1975) aponta que o brincar se dá em um
espaço transicional, onde o sujeito cria, isto é, trata-se de um espaço
potencial criativo proporcionado pela mãe suficientemente boa para que o
sujeito crie e perceba a realidade. Trata-se de um espaço entre o interno e
externo, entre o Eu e o não-Eu.
O
impulso criativo, portanto, é algo que pode ser considerado com uma coisa em
si, algo naturalmente necessário a um artista na produção de uma obra de arte,
mas também algo que se faz presente quando qualquer
pessoa – bebê, criança, adolescente, adulto ou velho – se inclina de maneira
saudável para algo ou realiza deliberadamente alguma coisa, desde uma sujeira
com fezes ou o prolongar do ato de chorar como fruição de um som musical. Está presente tanto no viver momento a momento
de uma criança retardada que frui o respirar, como na inspiração de um
arquiteto ao descobrir subitamente o que deseja construir, e pensa em termos do
material a ser utilizado, de modo que seu impulso criativo possa tomar forma e
o mundo seja testemunha dele. (Winnicott, 1975, p. 100.)
É através do impulso criativo e da renúncia da
onipotência, que o sujeito experiencia sua realidade e constitui sua
subjetividade, pois “[...] o bebê começa a fruir de experiências baseadas num
‘casamento’ da onipotência dos processos intrapsíquicos com o controle do que
tem do real.” (Winnicott, 1975, p. 71)
Em, “Escritores criativos e devaneios” (1908/2006),
Freud aponta que o potencial imaginário e criativo talvez se apresente na
infância e nas brincadeiras delas; uma vez que o brincar é uma projeção das
vivências infantis.
Será
que deveríamos procurar já na infância os primeiros traços de atividade
imaginativa? A ocupação favorita e mais intensa da criança é o brinquedo ou os
jogos. Acaso não poderíamos dizer que ao brincar toda criança se comporta como
um escritor criativo, pois cria um mundo próprio, ou melhor, reajusta os
elementos de seu mundo de uma nova forma que lhe agrade? Seria errado supor que
a criança não leva esse mundo a sério; ao contrário, leva muito a sério a sua
brincadeira e dispende na mesma muita emoção. A antítese do brincar não é o que
é sério, mas o que é real. Apesar de toda a emoção com que a criança catexiza
seu mundo de brinquedo, ela o distingue perfeitamente da realidade, e gosta de
ligar seus objetos e situações imaginados às coisas visíveis e tangíveis do
mundo real. Essa conexão é tudo o que diferencia o ‘brincar’ do ‘fantasiar’.
(Freud, op. cit., p. 135)
Então, o brincar implica em ação e está em uma área
intermediária entre o subjetivo e o que é percebido objetivamente, afinal, é
nesse espaço propiciado pela ausência da mãe suficientemente boa, que o sujeito
imagina, cria ao mesmo tempo em que percebe a sua realidade externa.
Winnicott (1975) aponta algumas características
entre o brincar e a realidade:
[...]
(b) Essa área do brincar não é realidade psíquica interna. Está fora do
indivíduo, mas não é o mundo externo.
(c)
A criança traz para dentro dessa área da brincadeira objetos ou fenômenos oriundos
da realidade externa, usando-os a serviço de alguma amostra derivada da
realidade interna ou pessoal. Sem alucinar, a criança põe para fora uma amostra
do potencial onírico e vive com essa amostra num ambiente escolhido de
fragmentos oriundos da realidade externa.
(d)
No brincar, a criança manipula fenômeno externos a serviço do sonho e veste
fenômenos externos escolhidos com significado e sentimentos oníricos.
(e)
Há uma evolução direta dos fenômenos transicionais para o brincar, do brincar
para o brincar compartilhado, e deste para as experiências culturais.
(Winnicott, 1975, p. 76)
Freud (1908/2006) também aponta algumas
características relevantes que ocorrem na transposição entre o brincar e a
realidade e que caracterizam aspectos projetivos de conteúdos internos e
projetados ao mundo externo.
Existe
uma outra circunstância que nos leva a examinar por mais alguns instantes essa
oposição entre a realidade e o brincar. Quando a criança cresce e para de
brincar, após esforçar-se por algumas décadas para encarar as realidades da
vida com a devida seriedade, pode colocar-se certo dia numa situação mental em
que mais uma vez desaparece essa oposição entre o brincar e a realidade. Como
adulto, pode refletir sobre a intensa seriedade com que realizava seus jogos na
infância, equiparando suas ocupações do presente, aparentemente tão sérias, aos
seus jogos de criança, pode livrar-se da pesada carga imposta pela vida e
conquistar o intenso prazer proporcionado pelo humor. (Freud, op. cit., p. 136)
Assim, “é no brincar, e talvez apenas no brincar,
que a criança ou o adulto fruem sua liberdade de criação.” (p. 79) A
criatividade resulta de uma busca e construção do Eu (self), pois a relação
primária do bebê é de total dependência com a mãe. Entretanto, a mãe suficientemente
boa que anteriormente completava ações do lactente e se fazia onipresente,
passa a se ausentar e a frustrar o bebê. Esse momento é extremamente importante
e necessário para que o sujeito possa ser no mundo, construindo sua
subjetividade e usando sua imaginação, criatividade e potencialidades.
Freud (1908/2006) aponta que na brincadeira, a
criança imagina e, que futuramente, quando adulto, provavelmente transferirá
sua imaginação para um campo, uma aquisição cultural.
O
escritor criativo faz o mesmo que a criança que brinca. Cria um mundo de
fantasia que ele leva muito a sério, isto é, no qual investe uma grande
quantidade de emoção, enquanto mantém uma separação nítida entre o mesmo e a
realidade. A linguagem perseverou essa relação entre o brincar infantil e a criação
poética. (Freud, op. cit., p. 136)
Desse modo, “é através da apercepção criativa, mais
do que qualquer outra coisa, que o indivíduo sente que a vida é digna de ser
vivida.” (Winnicott, 1975, p. 95) O brincar é importante para o desenvolvimento
potencial do sujeito, bem como para o setting
terapêutico, pois representa o conteúdo simbólico do sujeito e é projetado
através do brincar.
Winnicott (1975) ressalta a importância da
brincadeira entre o paciente e o terapeuta, pois ambos contribuem à construção
de possibilidades de ser no mundo.
Parece-me
válido o princípio geral de que a
psicoterapia é efetuada na superposição de duas áreas lúdicas, a do paciente e
a do terapeuta. Se o terapeuta não pode brincar, então ele não se adequa ao
trabalho. Se é o paciente que não pode, então algo precisa ser feito para
ajuda-lo a tronar-se capaz de brincar, após o que a psicoterapia pode começar.
O brincar é essencial porque nele o paciente manifesta sua criatividade.
(Winnicott, op. cit., p. 80)
As relações objetais influenciam também em
identificações que o sujeito faz, isto é, o sujeito se relaciona com o objeto,
destrói o objeto e o objeto sobrevive à destruição. Assim, o sujeito pode usar
o objeto a partir de uma identificação com o mesmo. O objeto torna-se amado e
localiza-se fora do controle onipotente do sujeito, pois trata-se de um objeto
real, externo.
Desse modo, podemos pensar em um lado “positivo” da
destrutividade, pois após a destruição, vem a culpa e reparação do mesmo, o que
proporciona a identificação. Essas relações primárias aparecem na relação do
sujeito com os objetos em uma brincadeira, pois os sujeitos estão sempre
projetando conteúdos internos, conflitos psíquicos que precisam ser
descarregados através da projeção.
Freud (1908/2006) contribui afirmando que
O
brincar da criança é determinado por desejos: de fato, por um único desejo –
que auxilia o seu desenvolvimento -, o desejo de ser grande e adulto. A criança
está sempre brincando de ‘adulto’, imitando em seus jogos aquilo que conhece da
vida dos mais velhos. Ela não tem motivos para ocultar esse desejo. Já com o
adulto o caso é diferente. Por um lado, sabe que dele se espera que não
continue a brincar ou a fantasiar, mas que atue no mundo real; por outro lado,
alguns dos desejos que provocaram suas fantasias são de tal gênero que é
essencial ocultá-las. Assim, o adulto envergonha-se de suas fantasias por serem
infantis e proibidas. (Freud, op. cit., p. 137)
Freud (idem) ainda complementa apontando que os
adultos param de brincar, mas transferem o prazer sentido anteriormente para um
novo campo cultural – e ousaria dizer, um campo considerado ‘certo’ para
adultos.
Ao
crescer, as pessoas param de brincar e parecem renunciar ao prazer que obtinham
do brincar. Contudo, quem compreende a mente humana sabe que nada é tão difícil
para o homem quanto abdicar de um prazer que já experimentou. Na realidade,
nunca renunciamos a nada; apenas trocamos uma coisa por outra. O que parece ser
uma renúncia é, na verdade, a formação de um substituto ou sub-rogado. Da mesma
forma, a criança em crescimento, quando para de brincar, só abdica do elo com
os objetos reais; em vez de brincar,
ela agora fantasia. Constrói castelos
no ar e cria o que chamamos de devaneios. Acredito que a maioria das pessoas
construa fantasias em algum período de suas vidas. Este é um fato a que, por
muito tempo, não se deu atenção, e cuja importância não foi, assim,
suficientemente considerada. (Freud, 1908/2006, p. 136. Grifo do autor.)
FREUD, S. (1906-1908) “Gradiva” de Jensen e outros trabalhos. In.: Escritores criativos e devaneios (1908[1907]. Obras Psicológicas completas de Sigmund Freud, Vol.(IX) 2006. Rio de Janeiro: Imago. pp. 135-146.
KLEIN, M. Fundamentos psicológicos da análise de crianças (1932). In.: A psicanálise de crianças. Rio de Janeiro: Imago, 1997. Cap. I, pp. 27-31.
WINNICOTT, D. W. O Brincar: A Atividade Criativa e a Busca do Eu (Self). In.: O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. Cap. IV, pp. 79-80.
__________________. O Brincar: Uma Exposição Teórica. In.: O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. Cap. III, pp. 68-76.
_________________. O Papel de Espelho da Mãe e da Família no Desenvolvimento Infantil. In.: O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. Cap. IX, pp. 154-155.
Muito bom, e esclarecedor! Obrigado!
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