O debate acerca da
inserção dos psicólogos em espaços de atuação diferenciados dos tradicionais –
entre estes, a clínica psicológica, por exemplo-, não é novo. Tal debate, que
traz como um dos seus pontos principais a crítica ao elitismo da Psicologia,
coincide com o desenvolvimento da Psicologia Comunitária no Brasil. Esta se
constitui a partir do movimento de uma série de psicólogos que criticavam o
Positivismo da Psicologia Social, buscando construir propostas de transformação
social a partir de maior aproximação do psicólogo com os fenômenos do cotidiano
da maioria da população.
Paralelamente ao
desenvolvimento da Psicologia Comunitária, observam-se contínuas mudanças nos
cenários das Políticas Públicas brasileiras e, no espaço dessas novas
configurações, um crescimento das possibilidades de atuação do psicólogo no
“campo público do bem-estar social, a partir de uma concepção diferente das
demais atuações da Psicologia: o sujeito como produtor de sua realidade social”
(Ximenes; Paula; Barros,
2009).
O
psicólogo tem um arsenal de contextos para atuar, e um deles é o contexto comunitário,
em que é desenvolvido atividades por diferentes prismas. Interessa-nos,
enquanto pesquisadores, compreender como se dá esta atuação, bem como os
limites e possibilidades de enfrentamento.
A
Psicologia Comunitária pode se apresentar como um projeto coletivo de
resistência no debate contemporâneo. De acordo com Góis (apud Lane, 2009, p.
32):
Fazer
psicologia comunitária é estudar as condições (internas e externas) ao homem
que o impedem de ser sujeito e as condições que o fazem sujeito numa
comunidade, ao mesmo tempo, que no ato de compreender, trabalhar com esse homem
a partir dessas condições, na construção de sua personalidade, de sua
individualidade crítica, da consciência de si (identidade) e de uma nova
realidade social.
A partir da Psicologia
Comunitária, a compreensão das recorrências e singularidades dos mais variados
arranjos microssociais traz à tona o pressuposto ontológico de que o ser humano
não somente reage às injunções sociais, mas também se constitui em um ator
social que participa da criação da vida cotidiana (Ximenes; Paula;
Barros, 2009).
Com efeito, a
investigação-ação do psicólogo volta-se para os processos interacionais que
perfazem os modos de vida comunitários, tendo em vista o seu caráter mediador
na construção de saberes, práticas e atores sociais. Tais processos, sob esta
perspectiva, estão interligados complexamente entre si e em intensas, contínuas,
mutantes e mutáveis conexões com outros contextos socioculturais (Ximenes; Paula; Barros,
2009).
Lane (2009) afirma que
a perspectiva da Psicologia Social Comunitária, que enfatiza em termos
teóricos, a problematização da relação entre produção teórica e aplicação do
conhecimento, considera que o conhecimento se produz na interação entre o
profissional e os sujeitos de investigação.
Assim, Lane (idem)
afirma que:
Sintetizando,
o psicólogo na comunidade trabalha fundamentalmente com a linguagem e representações,
com relações grupais - vínculo essencial entre o indivíduo e a sociedade – e
com as emoções e afetos próprios da subjetividade, para exercer sua ação a
nível da consciência, da atividade e da identidade dos indivíduos que irão,
algum dia, viver verdadeira comunidade. (p. 32)
E
é exatamente esta a postura que devemos exercitar: levantar demandas e (re)construir juntos a problematização, com o
intuito de atingirmos uma compreensão contextualizada e com a integração da
comunidade à proposta. Só há transformação, quando todos os envolvidos se
tornam agentes da própria transformação.
O trabalho em Psicologia Comunitária traz uma
reflexão para a criação de novos dispositivos fundamentais para a atuação do
psicólogo em diversos contextos, no homem como sujeito histórico e no
entendimento do indivíduo e grupo como interdependentes. Na comunidade, podemos
promover novas formas de subjetividade, possibilitando a construção de novos
sentidos, novos registros diante do sofrimento humano, tentando romper com a
produção de subjetividade alienadas por ideologias dominantes.
Concomitante à
discussão realizada sobre a práxis comunitária e diante do levantamento de
demanda da comunidade, busca-se inicialmente, empoderar a
comunidade, pois a partir do fortalecimento busca-se promover junto à comunidade, cidadania àqueles
sujeitos em situação de marginalidade para discutir junto a eles as
possibilidades de enfrentamento e transformação da realidade social em que
vivem, pois o olhar que buscamos lançar para a demanda é:
O psicossociólogo, quanto a este,
tentará olhar para a realidade institucional enquanto “objeto complexo” de
pesquisa, dotado de um sistema simbólico que lhe dá um sentido social,
atravessado por um imaginário social, produto e produtor de imaginários
individuais. [...] O conceito de instituição como estrutura social inclui, além
da organização, o espaço social simbólico (o código, a regra), imaginário (representações,
mitos) e psicológico onde se encontra a organização. Constitui assim uma
identidade instituída sobre uma lei própria, interiorizada num sistema de
regras e inclui ainda a transmissão de um saber que lhe é próprio, ligado a uma
ideologia, a valores precisos, à formação da sociedade e da cultura. (Nasciutti, 2009, p. 109)
Assim, visamos como
objetivo geral estabelecer ações psicossociais que levem a
reflexão, conscientização e empoderamento à instituição e à comunidade de acordo com o alto grau de
exclusão social ao qual são submetidos. Partimos da ideia de que “as
instituições são manifestações e concretizações das realidades da vida em
sociedade” (Nasciutti,
2009, p. 110), isto é, a partir de uma prática transformadora, buscaremos
estabelecer institucionalmente uma relação de autonomização do sujeito, em que
ele se compromete para a transformação de sua realidade social.
Nasciutti (2009, p.
110) aponta que:
Não precisam de estabelecimentos
para existirem, [as instituições], mas sempre se estabelecem, criam suas leis,
suas regras, seus códigos, suas ideologias. Impõem costumes, prêmios e
punições, transmitem valores e estabelecem limites. Produzem coisas ou pessoas,
mas também protegem, dão garantias; alimentam egos e ilusões e servem como
projeção para as fraquezas e anseios da alma humana. São espaços de mediação
entre a vida individual e a vida coletiva.
Desse modo, buscaremos observar tanto o que é de
ordem do instituído, como o que é da ordem do funcional, apreendendo o que é do
sujeito e das relações interpessoais, buscando a compreensão acerca da
realidade social dos sujeitos. Tais reflexões nos levam a questionar sobre
quais as situações reais e condições materiais, propiciadoras ou não, levam o sujeito
a agir de modo “ilegal” social e penalmente?
Falar
da dinâmica institucional é falar dessas relações que se tecem entre indivíduo
e instituição e que, longe de serem estáticas, se movem em todas as direções. A
relação individual à instituição se enraíza na identidade social, cultural e
política, que se “realiza” na prática cotidiana, mobilizando nos atores sociais
investimentos e representações, lhes permitindo assim se identificarem ao
conjunto social. (Nasciutti,
2009, p. 110)
LANE, S. T. M. Histórico e Fundamentos da Psicologia Comunitária no Brasil. In.: CAMPOS, R. H. F. (org.). Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia. Petrópolis: Vozes, 2009. Cap. 1, pp. 17-34.
NASCIUTTI, J. C. R. A Instituição como via de acesso à comunidade. In.: CAMPOS, R. H. F. (org.). Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia. Petrópolis: Vozes, 2009. Cap. 5, pp. 100-126.
XIMENES, V. M.; PAULA, L. R. C.; BARROS, J. P. P. Psicologia Comunitária e Política de Assistência Social: diálogos sobre atuações em comunidades. In. Psicologia, Ciência e Profissão. Universidade Federal de Ceará, n. 29, v. 4, 2009. pp. 686-699. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932 009000400004> Acesso em 25 Março 2013.
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