"Eu acredito em minhas possibilidades e potencialidades. Eu faço a minha existência aqui e agora." [Ana Carolina]

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O papel do psicólogo sob o prisma da psicologia social comunitária

O debate acerca da inserção dos psicólogos em espaços de atuação diferenciados dos tradicionais – entre estes, a clínica psicológica, por exemplo-, não é novo. Tal debate, que traz como um dos seus pontos principais a crítica ao elitismo da Psicologia, coincide com o desenvolvimento da Psicologia Comunitária no Brasil. Esta se constitui a partir do movimento de uma série de psicólogos que criticavam o Positivismo da Psicologia Social, buscando construir propostas de transformação social a partir de maior aproximação do psicólogo com os fenômenos do cotidiano da maioria da população.
Paralelamente ao desenvolvimento da Psicologia Comunitária, observam-se contínuas mudanças nos cenários das Políticas Públicas brasileiras e, no espaço dessas novas configurações, um crescimento das possibilidades de atuação do psicólogo no “campo público do bem-estar social, a partir de uma concepção diferente das demais atuações da Psicologia: o sujeito como produtor de sua realidade social” (Ximenes; Paula; Barros, 2009).
O psicólogo tem um arsenal de contextos para atuar, e um deles é o contexto comunitário, em que é desenvolvido atividades por diferentes prismas. Interessa-nos, enquanto pesquisadores, compreender como se dá esta atuação, bem como os limites e possibilidades de enfrentamento.

A Psicologia Comunitária pode se apresentar como um projeto coletivo de resistência no debate contemporâneo. De acordo com Góis (apud Lane, 2009, p. 32):

Fazer psicologia comunitária é estudar as condições (internas e externas) ao homem que o impedem de ser sujeito e as condições que o fazem sujeito numa comunidade, ao mesmo tempo, que no ato de compreender, trabalhar com esse homem a partir dessas condições, na construção de sua personalidade, de sua individualidade crítica, da consciência de si (identidade) e de uma nova realidade social.
                                                                                 
A partir da Psicologia Comunitária, a compreensão das recorrências e singularidades dos mais variados arranjos microssociais traz à tona o pressuposto ontológico de que o ser humano não somente reage às injunções sociais, mas também se constitui em um ator social que participa da criação da vida cotidiana (Ximenes; Paula; Barros, 2009).
Com efeito, a investigação-ação do psicólogo volta-se para os processos interacionais que perfazem os modos de vida comunitários, tendo em vista o seu caráter mediador na construção de saberes, práticas e atores sociais. Tais processos, sob esta perspectiva, estão interligados complexamente entre si e em intensas, contínuas, mutantes e mutáveis conexões com outros contextos socioculturais (Ximenes; Paula; Barros, 2009).
Lane (2009) afirma que a perspectiva da Psicologia Social Comunitária, que enfatiza em termos teóricos, a problematização da relação entre produção teórica e aplicação do conhecimento, considera que o conhecimento se produz na interação entre o profissional e os sujeitos de investigação.
Assim, Lane (idem) afirma que:

Sintetizando, o psicólogo na comunidade trabalha fundamentalmente com a linguagem e representações, com relações grupais - vínculo essencial entre o indivíduo e a sociedade – e com as emoções e afetos próprios da subjetividade, para exercer sua ação a nível da consciência, da atividade e da identidade dos indivíduos que irão, algum dia, viver verdadeira comunidade. (p. 32)

E é exatamente esta a postura que devemos exercitar: levantar demandas  e (re)construir juntos a problematização, com o intuito de atingirmos uma compreensão contextualizada e com a integração da comunidade à proposta. Só há transformação, quando todos os envolvidos se tornam agentes da própria transformação.
O trabalho em Psicologia Comunitária traz uma reflexão para a criação de novos dispositivos fundamentais para a atuação do psicólogo em diversos contextos, no homem como sujeito histórico e no entendimento do indivíduo e grupo como interdependentes. Na comunidade, podemos promover novas formas de subjetividade, possibilitando a construção de novos sentidos, novos registros diante do sofrimento humano, tentando romper com a produção de subjetividade alienadas por ideologias dominantes.
Concomitante à discussão realizada sobre a práxis comunitária e diante do levantamento de demanda da comunidade, busca-se inicialmente, empoderar a comunidade, pois a partir do fortalecimento busca-se promover junto à comunidade, cidadania àqueles sujeitos em situação de marginalidade para discutir junto a eles as possibilidades de enfrentamento e transformação da realidade social em que vivem, pois o olhar que buscamos lançar para a demanda é:

O psicossociólogo, quanto a este, tentará olhar para a realidade institucional enquanto “objeto complexo” de pesquisa, dotado de um sistema simbólico que lhe dá um sentido social, atravessado por um imaginário social, produto e produtor de imaginários individuais. [...] O conceito de instituição como estrutura social inclui, além da organização, o espaço social simbólico (o código, a regra), imaginário (representações, mitos) e psicológico onde se encontra a organização. Constitui assim uma identidade instituída sobre uma lei própria, interiorizada num sistema de regras e inclui ainda a transmissão de um saber que lhe é próprio, ligado a uma ideologia, a valores precisos, à formação da sociedade e da cultura. (Nasciutti, 2009, p. 109)

Assim, visamos como objetivo geral estabelecer ações psicossociais que levem a reflexão, conscientização e empoderamento à instituição e à comunidade de acordo com o alto grau de exclusão social ao qual são submetidos. Partimos da ideia de que “as instituições são manifestações e concretizações das realidades da vida em sociedade” (Nasciutti, 2009, p. 110), isto é, a partir de uma prática transformadora, buscaremos estabelecer institucionalmente uma relação de autonomização do sujeito, em que ele se compromete para a transformação de sua realidade social.
Nasciutti (2009, p. 110) aponta que:

Não precisam de estabelecimentos para existirem, [as instituições], mas sempre se estabelecem, criam suas leis, suas regras, seus códigos, suas ideologias. Impõem costumes, prêmios e punições, transmitem valores e estabelecem limites. Produzem coisas ou pessoas, mas também protegem, dão garantias; alimentam egos e ilusões e servem como projeção para as fraquezas e anseios da alma humana. São espaços de mediação entre a vida individual e a vida coletiva.

Desse modo, buscaremos observar tanto o que é de ordem do instituído, como o que é da ordem do funcional, apreendendo o que é do sujeito e das relações interpessoais, buscando a compreensão acerca da realidade social dos sujeitos. Tais reflexões nos levam a questionar sobre quais as situações reais e condições materiais, propiciadoras ou não, levam o sujeito a agir de modo “ilegal” social e penalmente?


Falar da dinâmica institucional é falar dessas relações que se tecem entre indivíduo e instituição e que, longe de serem estáticas, se movem em todas as direções. A relação individual à instituição se enraíza na identidade social, cultural e política, que se “realiza” na prática cotidiana, mobilizando nos atores sociais investimentos e representações, lhes permitindo assim se identificarem ao conjunto social. (Nasciutti, 2009, p. 110)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

LANE, S. T. M. Histórico e Fundamentos da Psicologia Comunitária no Brasil. In.: CAMPOS, R. H. F. (org.). Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia. Petrópolis: Vozes, 2009. Cap. 1, pp. 17-34.

NASCIUTTI, J. C. R. A Instituição como via de acesso à comunidade. In.: CAMPOS, R. H. F. (org.). Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia. Petrópolis: Vozes, 2009. Cap. 5, pp. 100-126.

XIMENES, V. M.; PAULA, L. R. C.; BARROS, J. P. P. Psicologia Comunitária e Política de Assistência Social: diálogos sobre atuações em comunidades. In. Psicologia, Ciência e Profissão. Universidade Federal de Ceará, n. 29, v. 4, 2009. pp. 686-699. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932 009000400004> Acesso em 25 Março 2013.

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