"Eu acredito em minhas possibilidades e potencialidades. Eu faço a minha existência aqui e agora." [Ana Carolina]

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Pesquisa sobre divórcio destrutivo

Se o cotidiano lhe parece pobre, não o acuse: acuse a si próprio de não ser muito bom poeta para extrair suas próprias riquezas.
(Rainer Rilke)

O divórcio é um fenômeno crescente na sociedade contemporânea e, consequentemente acarreta no aumento de ex-cônjuges que buscam a Justiça para resolver seus conflitos familiares. Um dos mitos a serem desconstruídos acerca deste fenômeno é de que o aumento crescente de sua incidência é sinônimo de deficiência familiar. De acordo com o estudo, o aumento do divórcio se deve a uma menor tolerância a uniões conflituosas e danosas e a uma maior expectativa que se tem sobre o casamento.
O artigo discutido nesta resenha aborda a questão dos papéis parentais e conjugais no divórcio destrutivo em que há filhos pequenos e insere-se no contexto jurídico durante a realização do estudo psicossocial de famílias em processos de disputa de guarda e regulamentação de visitas, especificamente no Serviço e Atendimento a Famílias com Ação Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (SERAF/TJDFT). A fundamentação teórica para compreensão dos conteúdos obtidos, bem como para compreensão da dinâmica familiar, foi a Teoria Familiar Sistêmica, pois esta abordagem “valoriza a complexidade, a contextualidade, a recursividade, o indeterminismo, a imprevisibilidade e a intersubjetividade dos fenômenos e das relações trabalhadas.” (Juras e Costa, 2011, p. 223)
 Para a realização desta pesquisa, participaram três famílias divorciadas que entraram na Justiça buscando a regularização judicial da guarda e visita dos filhos, todos eles com menos de 12 anos de idade, uma vez que nesta faixa etária, as crianças se mostram mais vulneráveis a este processo, por perceberem a dinâmica violenta sem estarem psiquicamente instrumentalizadas para lidar com o conflito e dele se afastar. A análise de dados foi feita a partir da análise de conteúdo que possibilita uma construção interpretativa com base em zonas de sentido.
Entretanto, neste estudo, os autores apontam um nome reflexivo para a uma dinâmica familiar violenta após o divórcio, em que prevalecem sentimentos agressivos entre os ex-cônjuges, incluindo terceiros no conflito. Tal conflito se denomina “divórcio destrutivo”.
O divórcio destrutivo é um fenômeno que exige uma multiplicidade de olhares, entendimentos, posturas e contextos que devem ser considerados. Essas características das famílias e, consequentemente, do divórcio destrutivo, promovem a formulação de questionamentos. Assim, este não é um fenômeno restrito aos membros do ex-casal, pois envolve diversos subsistemas familiares (parental, conjugal, transgeracional, etc) e sistemas institucionais, como a Justiça.
A principal característica de uma relação em divórcio conflituoso é a existência de uma comunicação patológica e simétrica, baseada na competitividade, tornando o divórcio uma verdadeira guerra parental, em que o padrão comunicacional é caracterizado por represálias, agressões, acusações, ameaças e desvalorização do lugar do outro. Além disso, os autores apontam que há a destruição do ex-cônjuge, responsabilização do outro pelo conflito, bem como a inclusão de terceiros; o que torna a dinâmica familiar difícil e a disputa conjugal abre espaço ao esquecimento sobre a importância fundamental que o ex-cônjuge tem para a vida do filho como pai ou mãe. Todo este conflito causa confusão entre os papeis parentais e conjugais, colocando a conjugalidade em uma posição hierárquica superior à parentalidade, acarretando em um não privilégio de cuidados pelos filhos.
As estratégias e os argumentos das famílias com divórcio destrutivo no contexto judiciário não visam a finalização da relação conjugal, pois a dinâmica conflituosa e de rompimento estabelecida contribui para o estabelecimento de interdependências afetivas, de ações e de papéis parentais e conjugais. Esta concepção é divergente do conceito de Síndrome de Alienação Parental (SAP), uma vez que este termo preconiza a ideia de cortes afetivos e finalizações de relações familiares. Desse modo, a SAP apresenta uma ótica simplista que não abarca as complexidades e os paradoxos inerentes às dinâmicas de divórcio destrutivo, em que rompimentos e interdependências estão presentes.
Os autores abordam outros três outros conceitos de base sistêmica que podem ser aplicados a esta dinâmica conflituosa: a triangulação, as lealdades invisíveis e a parentalização. A triangulação é um conceito que discute que “Quando a tensão entre dois membros da família, normalmente os pais, atinge um nível de ansiedade insuportável, uma terceira pessoa, habitualmente um filho, é triangulada para reduzir a tensão no seio do sistema, até chegar a níveis toleráveis.” (Juras e Costa, 2011, p.226). Contudo, quando isto ocorre frequentemente, tornando-se um comportamento contínuo, o conflito não é resolvido e traz prejuízos psicossociais para os membros da família. Em um processo de divórcio destrutivo, ocorrem diversas triangulações, que incluem desde os filhos às instituições que lidam com o processo, o que dá margem para a ocorrência das lealdades invisíveis.
As lealdades ocorrem quando um dos envolvidos, geralmente o mais frágil, se sente pressionado a tomar partido de um dos genitores e a defendê-lo, em detrimento do outro. Assim, a criança não vê alternativa a não ser escolhendo um dos genitores como forma de alívio dos conflitos, bem como uma maneira de oferecer-lhe suporte afetivo diante de uma disputa em que nenhum dos lados privilegia o cuidado com o filho.
A parentalização é quando se entrega ao filho, frequente e rigidamente, o papel parental, cobrando deste, comportamentos e responsabilidades incompatíveis com o momento do desenvolvimento em que se encontra. O filho se vê no dever de assumir um lugar de responsabilidades e atitudes parentais.
Diante das discussões levantadas, os autores realizaram uma análise de conteúdo que resultou na diferenciação em zonas de sentido, e em todos os casos analisados, encontrou-se a ocorrência destes conceitos.
Na primeira zona de sentido, percebe-se que as crianças sabem que os pais estão em conflito e que o encontro entre eles é um fator de risco para a ocorrência de discussões. Muitas vezes, para evitar este contato, os pais fazem uso da parentalização, dando aos filhos a função de negociar questões que deveriam ser discutidas pelos pais. Nos desenhos analisados durante a pesquisa, as crianças expressaram as dificuldades que sentem ao serem incluídas nos conflitos do casal, e que focam em geométricas, bordas e contornos como uma maneira de evitar o sofrimento advindo desta situação conflituosa. Os desenhos das crianças são marcados pela expressão do distanciamento dos sujeitos em conflito, por vezes, pela união fraternal, pela expressão da ansiedade gerada ao se solicitar o desenho e pela falta de elementos que são comuns em desenhos infantis. Assim, por consequência deste processo de parentalização sofrido pelas crianças, elas não sabem em quem confiar, formando então, lealdades invisíveis, ou até mesmo tornando-se manipuladoras, fazendo uso da situação para conseguirem o que desejam.
A segunda zona de sentido revela a forte relação fraternal que há entre os irmãos envolvidos no litígio. Uma das vantagens desta relação é a proporção da vivência de intimidade e companheirismo, além de dar um lugar onde a afetividade possa se desenvolver, bem como a tranquilidade possa ser sentida e possa haver certo provimento parental, tendo em vista, a possibilidade de aprendizagem dos papéis sociais e cognitivos. Por estes benefícios, que o filho único ou privado de relacionar-se com os irmãos, geralmente, sofre mais com os conflitos e lugares distorcidos nos quais é colocado, devido à sobrecarga emocional e a impossibilidade de falar e demonstrá-la.
A terceira zona de sentido aborda as manifestações afetivas das crianças. Em todos os casos elas demonstraram insatisfação com a situação de constante conflito em que estão envolvidas. Tal situação acarreta no sofrimento sentido por elas e que aparecem, comumente, através da agressividade, insegurança, sintomas depressivos e racionalização das questões afetivas. Assim, proporcionar outras atividades, que não incluam apenas o contexto familiar, e que deem a possibilidade de expressão dos sentimentos contidos, pode auxiliar na promoção de novos recursos internos, que sejam saudáveis e efetivos no enfrentamento do conflito parental e da desorganização e desestruturação familiar.
Desse modo, os autores concluíram que a criança que vivencia um divórcio conflituoso e violento deve ser escutada, priorizando os interesses e o bem estar da criança, o que é imprescindível aos profissionais que lidam diariamente com estes casos. Para tanto, devem instrumentalizar os pais a exercerem efetivamente o papel parental, não priorizando a “guerra” estabelecida de ataque um contra o outro, mas priorizar a criança e o cuidado da mesma exercendo, antes de tudo, o papel de pai e mãe. Os profissionais devem fazer os pais sensíveis ao sofrimento gerado para a criança, durante todo o processo, além dos danos ao desenvolvimento dela, quando não há o manejo adequado e equilibrado da situação.
Por fim, assim como os pais, temos um papel importante quando diante de um divórcio, tornando o nosso olhar de perícia para além do auxílio ao juiz, colocando um pai como melhor que o outro. O nosso papel vai para um cuidado ao processo, sabendo acolher a família e auxiliá-la a passar pelo divórcio, evitando a desestruturação dos papeis parentais e, principalmente, do processo de desenvolvimento pelo qual as crianças estão. Os pais devem lembrar primeiramente, que o divórcio diz respeito à conjugalidade e não à parentalidade, o que nos mostra a existência de dificuldade destes pais na diferenciação entre os papeis conjugais e parentais no divórcio destrutivo com filhos pequenos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

JURAS, M. M. & COSTA, L. F. O divórcio destrutivo na perspectiva de filhos com menos de 12 anos. Estilos da Clínica, 2011, 16(1), 222-245.

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